Disputas no STF envolvem R$ 150 bi
Estão nas mãos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) disputas tributárias de grande impacto para a Fazenda Nacional e para os contribuintes que devem ser julgadas neste ano. Só com as três maiores discussões em andamento - inclusão do ICMS na base de cálculo da Cofins, definição da base de cálculo da Cofins das instituições financeiras e incidência da CSLL nas receitas com exportação -, o rombo nos cofres da União, em caso de derrota, seria de aproximadamente R$ 150 bilhões.
A disputa de maior valor está na ação declaratória de constitucionalidade (ADC) nº 18, ajuizada em 2007 pela União na tentativa de ter declarada a constitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo da Cofins. Inicialmente, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) estimou o impacto da disputa em R$ 60 bilhões, caso a União tenha que devolver aos contribuintes os valores referentes aos últimos cinco anos. No entanto, de acordo com a procuradora-geral da Fazenda Nacional, Adriana Queiroz de Carvalho, recentemente o órgão refez as contas e o valor correto seria de R$ 76 bilhões.
Em agosto de 2008, o Supremo concedeu, por nove votos a dois, uma liminar favorável à União. Desde então, o julgamento de mérito da ADC foi adiado por duas vezes e retirado de pauta em razão da morte do ministro Menezes Direito, relator do caso. A ação foi redistribuída para a relatoria do ministro Celso de Mello e o ministro Dias Toffoli declarou-se impedido de votar, pela atuação no caso enquanto Advogado-Geral da União. O fato foi comemorado pelos tributaristas, que entenderam como um voto a menos para a União.
No julgamento da liminar, os ministros Marco Aurélio e Celso de Mello deixaram claro que, no mérito, também serão favoráveis aos contribuintes. Os advogados apostam ainda em votos pró-contribuintes dos ministros Ricardo Lewandowski e Carmem Lúcia, devido a sinalizações em julgamentos anteriores sobre o tema. Na opinião do advogado especializado em direito constitucional Saul Pinheiro, do Pinheiro Neto Advogados, como a votação tende a ser acirrada, é possível que na disputa a corte tenha que fazer uso da Emenda Regimental nº 35, aprovada pelos ministros em dezembro. Ela determina que, em caso de empate na votação, o presidente dê o chamado voto de qualidade para desempatar o julgamento.
Outra grande disputa acompanhada de perto pela Fazenda Nacional é a que vai definir a base de cálculo para a cobrança da Cofins de bancos e seguradoras. Em 2009, o Supremo deu início ao julgamento do leading case envolvendo a seguradora AXA, que defende que o setor não está sujeito ao pagamento da Cofins. Os bancos, por sua vez, defendem que a contribuição incidiria apenas sobre os serviços que prestam, ou seja, sobre os valores apurados com as tarifas que são cobradas dos clientes. De acordo com o advogado Marcos Joaquim Gonçalves Alves, do Mattos Filho Advogados, o imposto só deveria incidir em atividades bancárias, como a emissão de talão de cheque ou taxas administrativas. "Considerar que a atividade bancária de remuneração de capital seja caracterizada como serviço é contrariar todas as regras do direito econômico", diz Alves.
No primeiro e único voto da corte até agora, o ministro Cezar Peluso entendeu que a contribuição deve incidir sobre o spread - diferença entre o custo de captação do banco e o custo de empréstimo - e sobre os prêmios pagos pelas seguradoras. O julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro Marco Aurélio. Segundo Alves, caso os bancos sejam derrotados, certamente o consumidor será prejudicado com um aumento das taxas. "Os bancos já sofreram majoração na alíquota da CSLL e da contribuição previdenciária", afirma. De acordo com os cálculos da Fazenda, o valor da disputa seria de R$ 40 bilhões, calculado entre 1999 a 2008.
Depois do desfecho negativo da disputa sobre o crédito-prêmio do IPI para as empresas exportadoras, restou apenas uma grande batalha para o setor no Supremo. A corte deve definir se a CSLL incide ou não nas receitas que as empresas obtêm com exportações. De acordo com a PGFN, a estimativa de impacto é de R$ 36 bilhões, caso a Fazenda tenha que devolver o valor do imposto que incidiu sobre o lucro das exportações feitas entre 1996 e 2008. A controvérsia teve início em 2001, com a edição da Emenda Constitucional nº 33 que proíbe a cobrança das contribuições sociais sobre exportações, o que tem sido aplicado, desde então, ao PIS/Cofins. Enquanto o Fisco entende que as contribuições não podem incidir apenas sobre as receitas de exportação, e não sobre o lucro da atividade, os contribuintes defendem que a desoneração deveria abarcar também a CSLL.
No Supremo, o placar está empatado em quatro a quatro e o julgamento está suspenso por um pedido de vista da ministra Ellen Gracie desde 2008. Segundo a advogada Silvania Conceição Tognetti, do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão, a decisão da corte deve afetar também outra disputa em curso nas instâncias inferiores, sobre a CPMF que incidia em 9% nos contratos de câmbio feitos pelas empresas exportadoras. Apesar do imposto ser diferente, o argumento das empresas é exatamente o mesmo: a desoneração das exportações deveria ter abrangido também a CPMF.
Tributação de remessas ao exterior e prazo de prescrição estão em pauta
O Supremo Tribunal Federal (STF) ainda vai analisar outras disputas tributárias que, embora a Fazenda Nacional não tenha calculado os valores envolvidos, são de grande impacto para as empresas. A principal delas envolve a tributação da remessa de lucros e dividendos para as matrizes de multinacionais. O Fisco vem autuando companhias por considerar que os impostos deveriam ser recolhidos no Brasil, enquanto as empresas defendem que a tributação deveria ocorrer apenas no país de destino. "Uma decisão do Supremo pode afetar a maneira como as empresas estrangeiras planejam investir no Brasil", diz a advogada Silvania Conceição Tognetti, do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão, que atua em diversas ações que tratam do tema.
Na análise da advogada, o lucro não pertence à filial brasileira. "Não existe disponibilidade sobre o valor. A matriz é quem vai decidir o que fazer e pode optar por não investir no Brasil", afirma. O leading case a ser analisado pelo Supremo envolve a Volvo e coloca em xeque os tratados internacionais sobre tributação. A companhia defende que um acordo feito entre o Brasil e a Suécia nos anos 80 determina a incidência de Imposto de Renda (IR) sobre o valor da remessa de lucros e dividendos somente naquele país. O Fisco brasileiro, contudo, alega que a legislação do IR é posterior ao tratado e impõe uma alíquota, em média, de 25% sobre a remessa feita ao exterior.
O advogado Fabio Artigas Grillo, do escritório Hapner e Kroetz Advogados, que representa a Volvo, lembra que há jurisprudência no Supremo, baseada em decisões tomadas nos anos 70, a favor do Fisco. Mas ele acredita na alteração de entendimento. "A mudança deve ocorrer tanto pela Constituição de 1988, que determina a aceitação dos tratados internacionais, quanto pela mudança de composição da corte", afirma. Para ele, a decisão do Supremo deve afetar todos os tratados internacionais cuja intenção é evitar a bitributação.
Outra disputa que pode ser decidida pelo Supremo neste ano é a que discute a retroatividade da Lei Complementar nº 118, de 2005, que estabelece o prazo máximo de cinco anos para se ajuizar as ações de repetição de indébito - aquelas em que o contribuinte pede a devolução de quantia paga indevidamente. Em 2004, antes da nova lei, o STJ entendia que o prazo seria de dez anos. Em 2009, o STJ pacificou o entendimento pela não aplicação retroativa da lei nº 118, mas há um recurso sobre o tema pendente de julgamento no Supremo. Uma decisão da corte favorável ao Fisco influenciaria todas as ações de repetição de indébito ajuizadas antes de 2005, que contavam com a validade do prazo de dez anos.
Também está na pauta do Supremo a substituição tributária. O regime de cobrança de ICMS é questionado em duas ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) e um recurso de repercussão geral. Por meio da análise desses processos, os ministros vão decidir se os Estados são obrigados a devolver aos contribuintes a diferença do imposto gerada pelo preço presumido da mercadoria, pré-estabelecido pelo Fisco, e o valor real ocorrido na venda ao consumidor. (LC)
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