IOF não incide em prorrogação de empréstimo
Rodrigo Rigo Pinheiro
Nos últimos meses, importantes modificações aconteceram no regime de incidência do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), especialmente nas operações de câmbio. Foi o caso da alteração veiculada pelo Decreto 7.458/2011, com efeitos a partir de 7 de abril de 2011, cujo conteúdo determinou o recolhimento do aludido tributo, no percentual de 6%, nas liquidações de operações de câmbio contratadas para ingresso de recursos no país decorrentes de empréstimo externo, com prazo médio mínimo de até 720 dias.
A práxis dessas operações no mercado nacional trouxe dubiedade a vários grupos multinacionais, principalmente no que atine à aplicabilidade dessa nova regra aos pedidos de prorrogação de prazo para pagamento de empréstimos estrangeiros, os quais são extremamente comuns em sua rotina.
O problema que se enfrenta é que para a formalização, elaboração e finalização do pedido de prorrogação, o sistema do Banco Central é obrigado a criar (simular) uma operação de câmbio para fins de fiscalização e controle do fluxo de capitais estrangeiros neste país.
Assim, a preocupação que não deixa de incomodar as empresas é o lançamento certo que será feito do IOF-câmbio nesse pedido de prorrogação, quando feito em termo inferior a dois anos do seu vencimento original. Será legal, contudo, essa incidência?
O vulto “CPMF” parece assombrar quando essas perguntas são feitas. Isso é ponderável e até palatável em função dos julgamentos feitos pelo STJ nos casos das operações de câmbio simbólico, mas quer se ter a crença que estamos diante de casuísticas distintas. Assim, para respondermos à pergunta feita, o primeiro ponto a se enveredar é a análise do dispositivo em apreço.
Numa interpretação literal da exegese, ter-se-ia como incontestável a tributação das operações de prorrogação mencionadas a 6%, desde que contratadas a partir do dia 7 de abril de 2011 e com prazo médio mínimo de até 720 dias. Não é, contudo, a melhor explanação.
Para alcançarmos tal conclusão, mister se faz saber o que o legislador nacional entende por operação de câmbio. Temos, então, nos termos dos artigos 481 e seguintes e artigo 529 do Novo Código Civil, que a operação de câmbio nada mais é do que um contrato de compra e venda, naquele em que um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa e o outro a lhe pagar certo preço em dinheiro.
Com esse conceito de direito privado em mãos, podemos adentrar a seara tributária, para fins de incidência de IOF nessas operações. O artigo 153, inciso V, da Constituição Federal, dispõe que "compete a União instituir impostos sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários". Já o Código Tributário Nacional (CTN), em seu artigo 63, inciso II, dispõe que o IOF incidirá "quanto às operações de câmbio, a sua efetivação pela entrega de moeda nacional ou estrangeira, ou de documento que a represente, ou sua colocação à disposição do interessado em montante equivalente à moeda estrangeira ou nacional entregue ou posta à disposição por este".
É dizer: nas operações de câmbio, o legislador nacional entendeu por bem fazer incidir o IOF nas hipóteses de entrega de moeda nacional ou estrangeira, ou de documento que a represente, ou na sua colocação à disposição do interessado em montante equivalente à moeda estrangeira ou nacional.
A ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça, corrobora a afirmativa, quando do julgamento do Recurso Especial 702.398/RJ, ao dizer que "o fato gerador do IOF é a efetiva entrega da moeda nacional ou estrangeira ou de documento representativo de seu valor, ou sua colocação à disposição do interessado em montante equivalente à moeda estrangeira ou nacional entregue ou posta a disposição por este".
O conceito que já se pode firmar é que somente pode constituir fato jurídico tributário do IOF-câmbio a celebração de contrato de compra e venda de moeda estrangeira que resulte em transferência (tradição) da sua posse ao comprador ou de seu título representativo, não sendo suficiente a simples assinatura de contratos de câmbio simbólico.
Firmada essa premissa, é importante que busquemos, agora, o conceito de prorrogação de empréstimo, o qual é de simplesmente postergar, diferir e estender o prazo de pagamento de uma obrigação/dívida já constituída para determinada data.
Em ilação lógica, temos que a mera alteração da data de vencimento de uma dívida não representa modificação da obrigação em sua substância, inclusive, no que atine à efetiva quitação de seu objeto. Daí, a constatação de que a prorrogação de prazo para pagamento de empréstimo estrangeiro não condiz com qualquer entrega efetiva de moeda ou sua colocação à disposição do interessado.
Podemos, então, chegar à conclusão de que a mera prorrogação de prazo para pagamento de empréstimo não dá azo à hipótese de incidência do IOF, porquanto a operação de câmbio que enseja é meramente simbólica e ficta. Corrobora a assertiva supracitada o julgamento do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, quando do provimento da Apelação 96.03.086376-9, em caso idêntico ao discutido, ao dizer que "a prorrogação de prazo para pagar empréstimo, realizado sob a denominação commercial paper, não se põe a amoldar ao figurino tributante desejado (IOF-câmbio)".
Há, contudo, uma questão que ainda deve se vencer: a legalidade da cobrança da CPMF em operações de câmbio simbólico declarada pelo STJ. Há de se alertar, contudo, que os casos julgados pelo STJ reportavam operações relativas à conversão de crédito decorrente de empréstimo/financiamento de importações em investimento externo direto.
Aqui — prorrogação de prazo para pagamento de empréstimo estrangeiro —, não há sequer operação de circulação escritural da moeda na conta dos participantes. Não há vontade de integralizar capital com crédito em suposta manifestação volitiva de compra e venda de moeda estrangeira. Temos mera dilação de prazo para adimplemento de dívida.
Destarte, não há dúvidas que a jurisprudência da CPMF não pode ser aplicada para essa situação específica, sob pena de subversão dos conceitos de direito privado e de direito tributário.
Rodrigo Rigo Pinheiro é gerente de consultoria do escritório Braga & Marafon Consultores e Advogados.
Fonte: Conjur