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  • A inadimplência fiscal, a Receita e a polícia

  • Atualizado dia: 17/07/2008 ás 08:13
  • O enrijecimento da fiscalização tributária contra o contribuinte, especialmente sobre as dívidas tributárias das empresas, que já era uma tendência no Brasil desde o início desta década, vem se confirmando. É claro que nada há de ilegal quanto à cobrança de dívidas tributárias. O problema grave e de patente ilegalidade é o uso da polícia como agente cobrador de impostos. Isso sim deve preocupar os contribuintes.

    O crime de sonegação fiscal é previsto em uma lei federal ainda em vigor, editada em 1990 - a Lei nº 8.137 -, que prevê como crimes de sonegação fiscal várias condutas do contribuinte, desde que sua finalidade seja a supressão ou redução do valor do tributo devido, mediante fraude. Como supressão entende-se a eliminação total do valor do tributo devido. Já redução quer dizer eliminação parcial. Mas essas condutas, para que tenha ocorrido um crime de sonegação fiscal, devem ter sido praticadas mediante fraude, ou seja, através de embuste, mentira, falsidade.

    Com base nessa premissa, não é necessário ser jurista para concluir que a simples inadimplência de tributos não representa, de forma alguma, crime de sonegação fiscal. Dívidas e obrigações em geral, que são matéria de direito civil ou direito comercial, não têm nenhuma relação com o direito penal. O que o direito penal pune, nesse caso, é a conduta fraudulenta, que visa enganar o fisco para deixar de recolher o tributo devido ou ainda para reduzir seu valor. Aliás, conforme vem entendendo o Supremo Tribunal Federal (STF), no Brasil atualmente existe apenas uma hipótese de prisão por dívida, que é a prisão por dívida de alimentos. Segundo o Supremo, nem mesmo a prisão do infiel depositário pode ser admitida, pois ela seria inconstitucional, segundo um julgamento em curso no momento.

    O princípio secular do direito penal afirma que ele só entra em cena quando todos os outros ramos do direito falharam para a solução de um determinado problema e que ele só pode atuar contra um mal realmente grave contra um direito protegido por lei. Mas não é essa a realidade que estamos vendo todos os dias. Na quase totalidade das vezes em que os sócios ou dirigentes das empresas recebem uma autuação do fisco cobrando um tributo tido como devido, o próprio documento lavrado pelo agente fiscal, que no mais das vezes não é especialista em direito, aponta que o contribuinte, ao não recolher um determinado tributo, estaria cometendo um crime de sonegação fiscal. E o contribuinte, muitas vezes sem informação sobre o assunto e por isso mesmo amedrontado com aquela ameaça velada, acaba por recolher o tributo sem discutir sua validade.

    Os interesses do Estado estão acima de tudo e não existe agente de cobranças mais eficiente do que a polícia

    Não satisfeito em afirmar, nas autuações, que o contribuinte inadimplente estaria praticando crime, o fisco descobriu uma eficiente forma de garantir o pagamento de tributos: a utilização da polícia com agente cobrador. Há uma lei em vigor - a Lei nº 9.430, de 1996 - que determina que só é possível o fisco informar o Ministério Público sobre eventual prática de crime de sonegação fiscal após o julgamento da defesa administrativa do contribuinte. Isso porque, na esfera administrativa, normalmente o contribuinte se defende sustentando que o tributo não é devido por alguma razão. Ora, se está sendo discutido que o tributo não é devido, como se poderia considerar como crime a supressão ou a redução do que não é devido? É evidente, portanto, que somente após a decisão do fisco sobre a defesa é que se poderia falar em eventual prática de sonegação fiscal.

    Mas aqui também teoria e prática não estão se harmonizando. Atualmente o recebimento de uma autuação fiscal é seguido quase que automaticamente por uma intimação para que o contribuinte vá à polícia se explicar porque não pagou o tributo, mesmo quando ele acabou de se defender recentemente perante o órgão competente para cobrar tributos, ou seja, o próprio fisco. Mais uma vez, o contribuinte entra em pânico e acaba recolhendo o tributo que muitas vezes não é devido. Esse uso indiscriminado e ilegal da polícia como balcão de cobrança de tributos realmente dá excelentes resultados aos governos, pois todos os recordes de arrecadação vêm sendo quebrados mês a mês, com grande participação de receitas oriundas desses contribuintes amedrontados.

    Nas últimas semanas há também notícia de que, com a criação da chamada Super-Receita, que reunir a Receita Federal com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), criando-se a Receita Federal do Brasil, a fiscalização tributária está iniciando uma grande operação de fiscalização nas empresas, visando apurar, especialmente, os valores das contribuições tidas como devidas, mas não pagas, a título previdenciário, notadamente a chamada parte do empregado, que é descontada mensalmente e tem como uma das regras para conferência da fiscalização a inclusão do nome do empregado ou prestador de serviço, entre outros, na folha de pagamento. Situação curiosa, que exemplifica bem a sanha arrecadatória oficial, ocorre em relação aos cartões de incentivo que as empresas fornecem aos seus empregados ou prestadores de serviço como forma de concessão de prêmios por atingirem determinada meta ou também para incentivar o melhor desempenho. Esses cartões permitem, por exemplo, o saque de valores em dinheiro, o uso como cartão de crédito propriamente dito, a troca por mercadorias etc. Muito embora por lei não incidam os descontos previdenciários sobre esses prêmios ou incentivos, o fisco não se conforma com isso e vem patrocinando uma forte investida não só contra as empresas aos quais os empregados ou prestadores de serviço estão vinculados, mas também contra as agências de propaganda comumente contratadas pelas empresas para servirem como agentes de patrocínio dos prêmios e incentivos.

    Para o fisco todos são sonegadores, já que não recolhem a verba previdenciária sobre os valores pagos. E se são sonegadores de valores previdenciários, em breve terão um encontro com a temida Polícia Federal. Se agiram com fraude, como a lei penal determina? Pouco importa. Os interesses arrecadatórios do Estado estão acima de tudo e não existe agente de cobranças mais eficiente do que a polícia.

    *Haroldo Ventura Baraúna Júnior é advogado especialista em direito civil, criminal empresarial e ambiental associado do escritório Scheer e Dias Advogados

    Fonte: CFC / Haroldo Ventura Baraúna Júnior

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