Uma empresa do Rio Grande do Sul com dívidas fiscais junto à Fazenda Federal, conseguiu na Justiça o direito à adesão ao Simples Nacional o que, de acordo com a Lei Complementar nº 123/06, que rege as micro e pequenas empresas, é vedado.
A juíza federal substituta Elisângela Simon Caureo entendeu que a Constituição Federal estabelece tratamento favorecido às empresas de pequeno porte, mas, também, tem preocupação com a livre concorrência e com a função social da propriedade.
"Entendo que nosso ordenamento jurídico prevê inúmeras possibilidades de se obter a referida regularidade fiscal", disse a magistrada.
Para a juíza federal Elisângela Simon , proibir a adesão ao Supersimples não significa que o fisco vai conseguir a quitação dos tributos devidos.
"Embora tenha resistido à inconstitucionalidade do critério da regularidade fiscal, tendo em conta, principalmente, as várias possibilidades apresentadas pelo sistema para que seja alcançada, é preciso convir que a Constituição Federal pretendeu a institucionalização de um regime tributário especial para a microempresas e empresas de pequeno porte e, sem dúvida alguma, não pretendia que ele se limitasse àquelas em situação de regularidade fiscal", afirmou a magistrada em sentença. O advogado tributarista Paulo Rosa de Moura, da Abdo Advogados, que defendeu a empresa com débitos fiscais, afirma que a Lei Geral que trata do Estatuto das micros e pequenas empresas e institui o Simples Nacional, afronta a Constituição ao criar esse impeditivo de adesão ao sistema que deve, obrigatoriamente, ser privilegiado. Segundo ele, a Lei Geral das Micro e Pequenas Empresa não priorizou o princípio do tratamento tributário mais favorecido.
De acordo com o artigo 17, inciso V da Lei Complementar nº123/06, "não poderão recolher os impostos e contribuições empresa de pequeno porte que possua débitos com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ou com as Fazendas Pública Federal, Estadual e Municipal, cuja exigibilidade não esteja suspensa". Este é o dispositivo que o tributarista contesta.
"Ao exigir a regularidade fiscal como condição para adesão ao novo regime as empresas devedoras estão coagidas a regularizar os débitos tributários, sob pena de arcarem com uma carga tributária mais pesada, dentro do regime geral a que os demais contribuintes estão sujeitos", disse.
Moura explica que a exigência fere princípios constitucionais de ordem tributária e econômica.
"Ter dívida tributária não deve ser empecilho para a adesão ao regime. O fisco tem formas de exigir o pagamento do valor devido, como realizar a cobrança, lançar o crédito, colocar a empresa em dívida ativa e fazer a execução fiscal, o que leva a penhorar bens. Mas é certo dar o direito dessa empresa se manter no mercado e, sobretudo, gerar tributos e empregos", alega o tributarista.
Confronto
Em sentença, a juíza Elisângela citou o artigo 146, inciso III, alínea d e parágrafo único da Constituição Federal, que determina a definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte.
"O artigo certamente não poderia excluir as empresas em débito com o fisco.
Tal conclusão se impõe porque a condição de devedora é parte de uma situação de normalidade, na qual pode incorrer qualquer empresa e por se tratar de critério de distinção bastante severo, a sua aplicação no atual sistema só poderia ocorrer se prevista no texto constitucional", cita a magistrada.
No entendimento da juíza, a Constituição Federal em nenhum momento, qualifica restritivamente as microempresas e as empresas de pequeno porte.
A preliminar impetrada pela Receita Federal foi rejeitada e a juíza autorizou a inclusão da empresa no Supersimples.
Precedente
Um ofício foi remetido ontem para o delegado da Receita Federal do Brasil em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, e a União deve recorrer da sentença. É o que acredita Paulo Moura.
Para o tributarista, a decisão gaúcha deve abrir precedentes e, mantida a sentença, o Supremo Tribunal Federal (STF) pode julgar a ação como matéria de natureza de Repercussão Geral. "Como a Lei Complementar nº123/06 é infraconstitucional e, portanto, fere a Constituição, cabe ao Supremo analisar a questão. Ações em andamento podem até ser suspensas", afirma Moura.
A repercussão geral possibilita ao Supremo Tribunal Federal deixar de apreciar recursos extraordinários que não tenham maiores implicações para o conjunto da sociedade. Funciona na prática como um filtro para o STF julgar somente os recursos que possuam relevância social, econômica, política ou jurídica.
Além de determinar que as demais instâncias judiciárias sigam o entendimento do STF. Dessa forma, evitam o encaminhamento de milhares de processos idênticos ao Supremo Tribunal Federal.
Caso isso aconteça, decisões que desfavoreceram contribuintes até a data do julgamento do caso pelo Supremo, podem ter o direito ao efeito retroativo.
A decisão da Justiça no Rio Grande do Sul, que permitiu a adesão ao Supersimples de empresa devedora da Fazenda Nacional, poderá ser levada ao STF e gerar repercussão geral.
Fonte: DCI / Marina Diana